A peste
As janelas escancaradas confirmam
a morte dos moradores
nos prédios sem alma da cidade condenada.
Tudo o que vive junta-se no centro das ruas
para não ser contaminado
e aos quatro cantos os guardas
ora apresentam ora apontam
as armas recém-desenferrujadas.
Para os que estão de fora
as nossas mãos
levantadas acima dos muros,
quer parecem ameaçar
quer implorar o socorro inadiável.
Os mais generosos
certamente
as estimam como patéticas,
mas para a maior parte
grotescas
só grotescas, meu amor.
A esperança
germina nos teus olhos
como planta delicada
que os meus, mansamente acariciam,
dominando,
nas minhas mãos,
o impulso destruidor.
Entre os meus olhos
e as minhas mãos,
uma luta de morte se prenuncia,
mas tu conheces os golpes
e arbitras pacificamente.
Pois falemos antes de nós,
nos que nos rodeiam
pois cada um também ama
cada um tem olhos e tem mãos
cada um é cada um
e não devemos esquecê-lo.
Como sabes há os médicos,
os remédios...
Aconselham-nos a ficar enterrados
na merda
até ao pecoço.
O ar ser-nos-is fatal
porque não estamos habituados,
dizem.
E eles próprios dão o exemplo
lambuzando também a caras
sem repugnância.
Não desconhecemos que a crença
nas propriedades curativas
dos excrementos
vem de longe;
podemos mesmo dizer
que houve sempre
uma corrente de pensamento
nesse sentido,
mas hoje
não temos o direito
de acreditá-la.
Por isso trepemos
esforcemo-nos por erguer os corpos
acima da imundice
ainda que tenhamos, meu amor
de nos apoiar nos cadáveres
dos que, contentes,
nada desejam
senão permanecer enterrados.
Nós,
sempre nós, meu triste amor.
Quando aprenderemos a amar?
gdec
Do meu livro " Novos e velhos cantos "
terça-feira, janeiro 30, 2007
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2 comentários:
Ena! Temos POETA!
Belos poemas,
Posso linkar, não posso?
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