O Diálogo
Por gdec
Quando era estudante, eu tinha uma enorme dificuldade com as línguas estrangeiras . Para alguns dos meus companheiros, aquilo era canja, como diziam.
Aí, arranjei uma teoria para me justificar. E era esta :
Saber uma língua estrangeira não era verdadeiro saber, era apenas ter um instrumento com o qual podia –ou podia não- aprender-se alguma coisa.
E tantas vezes exprimi esta ideia que acabei mesmo por acreditar nela.
Uma língua, argumentava eu, nada nos diz sobre o mundo em que vivemos, sobre quem somos ou sobre as ideias que temos .
Podemos utilizá-la para escrever um livro mas, para isso precisamos de ter o que dizer e o que dizemos com aquela língua não é a língua mas o, aquilo que com ela dizemos.
Podemos utilizá-la para ler um livro mas o que aprendemos lendo esse livro, é aquilo que está escrito e não a língua que foi usada para o escrever.
Por isso, dizia eu, se compreende bem como é que os textos usados para aprender as línguas eram tão estúpidos; do género: Eu escrevo com um lápis azul e o meu tio escreve com uma caneta amarela.
Felizmente, para mim, eu era um pouco melhor aluno da língua portuguesa.
Assim fui reparando que à medida que aprendia alguma coisa, por exemplo de física ou de geografia, eu ia incluindo as novas matérias na língua com que as falava, algumas vezes aprendendo palavras novas ou, mais comummente, enriquecendo as velhas com esses novos saberes.
Reparei, ainda, que os portugueses se entendem porque percebem, mais ou menos, o mesmo núcleo do significado das palavras mas que, na verdade, cada um acrescenta às palavras tudo o mais que viveu e aprendeu sobre a vida e o mundo, de maneira que não existe apenas uma língua portuguesa mas tantas e tão diversas como são diversos os nossos conhecimentos e as nossas experiências, se forem efectivamente diversos e na medida em que o sejam.
Que por isso é uma aventura ler um livro de um bom autor porque temos de adivinhar o significado de cada uma das palavras o que por vezes só se consegue à segunda ou á terceira leitura percebendo o significado de umas pelo significado das outras e aprendendo também, o significado das palavras, pelo conhecimento da vida e do mundo que o autor, com elas, nos transmite.
Que assim cada livro se multiplica pelo número dos leitores e das leituras e há mesmo quem acredite que algumas leituras podem melhora-lo
Mas que, verdadeiramente, nenhuma leitura chega a ser exactamente a reprodução do pensamento de quem escreveu o texto
Que, muitas vezes, o nosso diálogo é como se fosse entre surdos e muito nos espantamos porque não nos entendemos sem repararmos que estamos a falar de coisas diferentes ainda que com palavras aparentemente iguais.
Que, assim, para aprendermos uma língua estrangeira – ou, mais geralmente, para entendermos o outro - temos de aprender a cultura do povo que a fala – ou do outro- porque , se apenas aprendemos o pequeno significado nuclear das palavras, seremos sempre incapazes de exprimir os nossos sentimentos, as nossa ideias e as nossas intenções nessa língua e de compreender os sentimentos , as ideias e as intenções de quem a fala.
E entendi, assim, quase completamente – deixem-me acreditá-lo - porque é que aquele poeta. que todos nós amamos, disse que a sua pátria era a língua portuguesa.
E comecei a entender que, é verdade que Portugal está difundido por todo o mundo porque a língua portuguesa se fala por todo o mundo e quanto somos privilegiados porque, quando vos falamos, estamos a espalhar a nossa cultura e, quando vos ouvimos estamos a aprender a vossa.
Na medida em que nos entendemos.
Na medida em que nos entendamos.
gdec
Vivi 22 anos em Moçambique . Há dois ou três anos uma amiga minha foi lá para fazer uma série de palestras sobre a língua portuguesa. Ela é professora e escritora. Pediu-me um texto para ler .Dei-lhe este . Ela me disse que algumas pessoas que a ouviram ainda se lembravam de mim. Eu fiquei todo vaidoso...
gdec
domingo, abril 01, 2007
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4 comentários:
pois fique mais vaidoso. adorei este texto. a tua fluência torna a leitura verdadeiramente um prazer.
sempre pensei muito a respeito de línguas. e sempre tive grande interesse por elas, algumas em especial. quando morei na França, há uns três anos atrás, acreditava piamente que jamais seria completamente entendida pelas pessoas de lá. por mais que me esforçasse e sentisse dores de cabeça para tentar assimilar tudo o que ouvia, e me comunicasse com o melhor francês que tinha até então, sempre sentia que só mesmo uma pessoa que tivesse vivido a língua portuguesa seria capaz de me sentir. por mais que explicasse meus sentimentos, eu sentia que ainda faltava algo a dizer para que me vissem inteira. talvez seja um pouco isso a idéia da pátria.
mas teu texto me suscitou tantas idéias que eu poderia escrever um outro, apenas, sobre elas. talvez o faça.
bisou
Caro GDEC. Texto muito interessante e com uma temática que me diz muito. Bem escrito e bem pensado. Só quem viveu em países estrangeiros durante anos sabe a necessidade quase física de falarmos a nossa língua e a alegria profunda de podermos fazer ou de a escutar. Pensamento e linguagem são faces da mesma moeda. Respondi ao seu comentário no meu blog. Por favor, faça uma visita para o ler. Saudações!
Um texto que eleva ainda mais, essa dádiva que é nossa língua pátria!!!
Abraços
Caro José
Enviei o teu blog para quase a totalidade dos meus amigos e uma grande amiga minha, que vive em Juiz-de-Fora, Minas Gerais, não conseguiu deixar a mensagem que pretendia e solicitou-me que incluisse aqui o comentário que te fez.
Abraços amigos do irmão
José Alves Faria
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"Que preciosidade acabo de encontrar... A Obra retratando o Autor...
Mesmo nao tendo a mesma vivência tua busquei lá ... na "linguagem do amor" a
essência de tuas palavras...
Meu coraçao agradece.
Leila Huguenin (leilahuguenin@gmail.com)
(Seu blogger foi-me enviado por seu Primo Jose que está no Brasil...Serei
eternamente agradecida à ele.)"
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