terça-feira, fevereiro 20, 2007

Viagem à volta do teu corpo

Oh flâmulas douradas do teu corpo
ardendo no negrume do meu sexo,
estrela gêmea, os cumes dos teus peitos
tecendo o ninho
à sombra do meu braço.
Oh enxame de abelhas
os teus dedos
fazendo o mel
no vão das minhas pernas.
Oh mina de rubis,
a tua boca,
refúgio do meu pássaro nocturmo;
auras do meio-dia à meia noite
obscurecendo sóis na minha mente
sobressaltantes rasgos da memória
com buracos de queijo nos cabelos...
Oh coroa de espinhos,
oh língua de enforcado,
oh rosa na montanha
oh estrela no cercado.
Oh lagarto na lage
oh aranha no canto
oh poço na fundura
oh tristeza, oh quebranto
oh cinzenta, oh escura
oh minha, minha, minha
sanguessuga desperta
nas veias sãs da loucura.
Oh cardo florescido
sombra de primavera
oh clarão acendido
na noite, à minha espera.
Oh boca silenciosa
pequenina e sequiosa.
Oh nenúfar no lago
ora aberto
ora fechado.
Oh fenda na lareira
com grila...encantadeira.
Oh arroio intermitente
água da vida corrente.
Oh sombra deliciosa
onde o cheiro é mel e almíscar
e o sabor é mel e rosa.
Oh pérola perdida porque encontrada
nas breves dobras da noite,
nas valvas da madrugada.
Oh feijão germinado,
na mesma hora colhido
e semeado.
Oh palavra entredita
e interdita.
Oh tímida folhazinha
rompendo ao cimo da terra
tremeluzinha...
Oh alfobre semeado
das loucuras mais secretas
delírio das febres puras
da feridas sempre abertas
das alucinações maduras.
Oh mapa-múndi da história
impacífico oceano
onde navagar é vão
naufragar é bom e glória
aportar simples, humano.
Oh lago misterioso
encantado
e povoado
por um só peixe de sombra
assombrado.
Oh vala comum da vida
onde a noite encontra o dia
e o dia é noite perdida.
Almofada de veludo
onde descanso a cabeça
dolorida, no fim de tudo.
Taça de obscuro cristal
onde bebo o sangue-vinho
e como o pão principal.
Mesa posta para ceias
saturnais
onde a fome se alimenta
e cresce cada vez mais.
Fogo que tudo devora
e tudo cria
na mesma hora.

Esse teu corpo no centro
esse teu centro do corpo
centro da terra e do mundo
centro do meu pensamento
é, no fundo...

É uma praça pequena
de Hespanha, praça mourisca
luz,sombra,luar absorto
vaga, sonâmbula mesquita
arcadas, fontes, pilares
poço de águas circulares
adagas, dobras, baínhas
silhuetas diluidas
por azinhagas, sozinhas
lámina, espada, cristal
onde lampeja de noite
a minha luz natural.
Rosa de vidro irisado
eriçado quando inteiro
macio quando estilhaçado.

Oh minha noite de luz
oh minha estrela sombria
oh meu sol da meia noite
oh minha lua de dia,
riso da minha tristeza
choro da minha alegria
espuma de branca angústia
-oh minha praia vazia-
ruminada com volúpia
num quebra mar de magia...


Dando meia volta ao mundo
no teu corpo
ou no meu corpo
surge um planeta rotundo,
à noite parece vivo
de dia parece morto.
é meu planeta secreto
é meu planeta perdido,
encontrado e então aberto
desvendado e então proíbido.
Planeta desabitado
salvo da minha esperança
oculto e inexplorado
entre os astros meu bocado
minha deixa,
minha herança.

Planeta de fundos vales
crateras de sombra funda
onde reluzem tesouros
-urânios, chumbos, e ouros-
mudando a sombra em penumbra.
Planeta de grossos ares
vulcânicas emanações
sulfúreos, fátuos luares
reflexos, reverberações.
Praia de todos os mares
fervendo o primeiro dia
não já caos, mas ainda escombro
de parto, negra alquinia
em que me espasmo e me assombro.
Vibração das infra-cores
para além do ultra espectro
céu de gozosos horrores
meu planeta, meu projecto.

Planeta rubro que soa
tão alto que maravilha
nota só que breve brilha,
diapavibra e estilha.

Se o teu olhar me olhasse
como um sol
eu, só de ser olhado
abrazaria;
aqui e além um incêndio de amor
da minha térrea crusta brotaria
-monologa, poeta, o meu planeta-.
Oh ígnea solidão
oh férrea estrela
oh preta escuridão.
Estou aqui oh meu mundo
meu planeta,
rima de U
vestido de plexiglass
chapa de aço e cauchu
orbitando no climax
como tu.
É em ti
meu planeta,
meu recanto,
que eu quero ser desterrado
por esse crime, nefando
que é amar no outro lado.

Cantaremos sozinhos,
sendo dois,
a tua e minha precisão de amor
e o nosso canto
acordará mil sóis em mil galáxias
como se fosse,
sendo,
um acto criador.

É que...
Há mundos por voar
além dos céus,
junto aos muros do fim acocorados,
que luz se faça,oh sim,
esperam alvoroçados
asas viradas ao amanhecer.
E o amanhecer somos nós
eu no teu corpo pregado
ardendo em chamas louras frente a ti
queimando no outro lado...

gdec

do meu livro "Novos e velhos cantos"

2 comentários:

Ana M disse...

quanta paixão, meu caro gdec. nunca senti uma destas sem sentir depois muito de seu inverso. e uma pergunta: que nome esconde o nome "gdec'?

bisou

Ana M disse...

obrigada pelo comentário. às vezes, até os gritos podem mesmo ser belos. meu e-mail:

carolmariemoises@hotmail.com

carol de carolina, meu segundo nome de pia. ana é o primeiro. marie, o apelido da faculdade, que vem de Marie Claire, mulher da moda. e Moisés, do meu avô, que veio das terras árabes.
me escreva

bisou