terça-feira, novembro 06, 2007

Dos anjos...poema-prosa . Incompleto

Dos anjos e dos demónios

O que mais invejo nos anjos é a possibilidade de se tornarem demónios. Qual há aí, de entre vós, que não cobice o papel que os deuses deram a Mefistófeles? Pois não somos todos uma tentativa de demónio a fugir perpetuamente de uma cruz? Mas ela acaba sempre por nos apanhar, porque os seus braços só terminam no Infinito, e por isso o nosso fracasso como demónios. Vingamos mais como deuses, à maneira de Cristo, deixando-nos crucificar. Mas ainda aí nos apanha a nossa insuficiência, porque não somos capazes de morrer antes da hora nona, e vêem os soldados para nos esmigalhar os ossos!... Então lhes mandamos um pontapé pelos queixos e lá se vai o «perdoa-lhes ... »
Ressuscitar é o que custa menos. Todos os dias ressuscitamos de nós mesmos e parece que não nos admiramos pelo facto. E quem é que nos mata? - És tu. Sim, és tu. Quem te mandou a ti obrigar-me a olhar para o alto? Quem nos mostra o céu é sempre um assassino. O ferro entra-nos pelos olhos ... da alma e o ferro tem a forma de uma cruz. E porquê uma cruz? Só a cruz é tudo ...

Geraldes de Carvalho
de Sombras de Alma -Coimbra 1955

1 comentário:

Morg disse...

"Todos os dias ressuscitamos de nós mesmos e parece que não nos admiramos pelo facto."

Todos os dia vejo que sobrevivi a mim mesma por mais um dia, e me surpreendo pelo feito. Todos os dias penso que foi o último. E acordo.

Obrigada pela visita e pelas palavras vistas aqui no seu espaço. Bjs