quinta-feira, março 08, 2007

Veremos se terei coragem de copiar do mesmo livro - "O caminho"- outro conto.


A 2ª visita

Nem poderia deixar de referir também a minha ida à "Experimental Prisão Modelo da Ilha Deserta". Devo advertir que esta palavra deserta, para chamar a inesperada ilha da minha visita é a mais apropriada. De planta ou animal em vão se procuraria ali qualquer vestígio.
Explicaram-me porquê :
De forma quase perfeitamente circular, a ilha é, como a maior parte, o cimo de uma avantajada montanha cavado há muito pela cratera de um vulcão extinto e submarino. Ao emergir, por via de algum dos geológicos cataclismos que usam fabricar as ilhas, a cratera ficou rasa de água que apenas um bem definido círculo rochoso enrodava. Possuindo o lugar -como privilégio- um microclima muito caracterizado -a pluviosidade, de 6,5 microlitros, é praticamente nula- este lago teria desaparecido depressa se a evaporação não fosse compensada pelas marés mais vivas que o reenchiam todos os anos. Foi assim que a cratera ficou cheia de sal -a riqueza da ilha- em cuja extracção, limpeza, refinamento, embalagem e carregamento se empregam os presos. Ouvi estas minuciosas explicações do director da prisão que não deve tardar para ser devidamente apresentado.
Mas antes deverei contar sobre a recepção que me estava não preparada mas guardada naquele sentido em que se diz "guardado está o bocado..."
Saibam que cheguei acompanhado de uma adequada comitiva mas desapareceram todos na hora do desembarque; talvez nos tivéssemos perdido uns dos outros na confusão que acompanha, inevitavelmente, estes acontecimentos.Mesmo o navio que me trouxe abandonou o porto sem me dar tempo de tentar alguns passos no interior. Encontrei-me só e nostálgico da companhia que, notava-o agora, me fizera o expansivo transatlântico. Comecei a caminhar dando as costas ao Oceano e incomodado por isto, por aquilo, caminhava mal. Os meus movimentos desgraciosos deviam exteriorizar bem o meu abatimento porque logo apareceu por ali um homenzarrão empunhando um engenhoso chicote com o qual começou a zurzir-me esforçada e alegremente. Não fazia propriamente doer como é costume, fazia o medo da dor inadiável crescer a cada chicotada. O director apareceu na última hora da minha resistência; caí-lhe nos braços mas ele amparou-me carinhosamente com grande surpresa do homenzarrão, a quem dirigiu estas palavras :
Vai mas é bater no teu paizinho, minha flor, que este não precisa. E para mim:
Trato sempre bem o pessoal que me é dedicadíssimo, sem vaidade! Perdoe-me caro condiscípulo -permite-me que ainda o trate assim?- mas cheguei atrasado e o rapaz, que vê mal, confundiu-o com um dos nossos pupilos mais perigosos, nada menos do que um larápio, que anda fugido -pergunto-me para quê, numa ilha circular e deserta -; mas asseguro-lhe que este guarda é precisamente o melhor que temos, e digo-lhe que bem confirma o ditado de que de um mau ninho pode sair um bom passarinho. O pai é o nosso preso mais antigo mas receio que seja irrecuperável; apesar dos nossos esforços é indisciplinado e desordeiro; mas tem uma saúde de ferro, concluiu um tanto inesperadamente. Perdoa-nos, sim ?, perguntou com ansiedade: Signifiquei-lhe que até achara o seu quê de pitoresco no episódio e recebi um sorriso de reconhecimento com o que se encerrou a minha recepção de maneira que não tive oportunidade para o meu discurso.
Caminhando -e como eu caminhava melhor agora seguindo o director que, por deferência, me dava a dianteira !- chegámos junto de um trenó que, tirado por cinco presos, nos conduziu por uma pista brilhante de sal polido, percebi- até às instalações.
Não encontrei um acampamento como esperava. Havia três edifícios de bom aspecto. O maior, elucidou-me o anfitrião,é o destinado aos serviços burocráticos, chamemos-lhes assim : Direcção, secretaria, laboratórios, arquivo, posto médico,etc. Acolá é a residência comum do pessoal e ali a minha casa. A organização é estritamente militar e temos um guarda permanente aos edifícios que aliás são construídos segundo as melhores técnicas das prisões, embora as grades não pretendam impedir que se saia, mas sim que se entre neles, sorriu.
Deve perguntar, disse no momento em que eu ia fazê-lo, onde estão as instalações dos presos . Não ficam muito longe mas são subterrâneas -se é que se pode empregar tal palavra num mundo de sal até quase cem metros de profundidade. Foi então que me contou sobre as origens da ilha e elucidou:
Devido à baixa pluviosidade a ilha está sujeita a uma intensa desidratação. O endurecimento daí resultante faz com que o trabalho de extracção tenha toda a semelhança com o de uma pedreira, ou melhor com uma mina, porque resolvemos respeitar a superfície, para evitar a formação de uma cova que, mais tarde ou mais cedo, uma maré reencheria de água.
A fim de não desperdiçar o trabalho dos presos numa tarefa anti-económica como seria a construção de moradias, distribuímos-lhes como primeira obrigação , cavar uma cela subterrânea. As celas ficam de um e de outro lado de um corredor comum; cada novo hóspede deve também continuar o corredor, o suficiente para construir a sua cela. Queremos que cada um construa, por assim dizer, o seu próprio lar. As celas que ficam devolutas aproveitamo-las para ponto de partida de novas minas. Temos assim uma única saída para o exterior o que facilita a vigilância.
Assim falando tínhamo-nos encaminhado para a boca da mina e entráramos no túnel cavado no sal que procura o interior da ilha em declive acentuado. Os presos que puxavam o trenó eram de vez em quando estimulados pelo director com uma breve chicotada.

( Estou bastante cansado. Continua amanhã ou depois.Um abraço de incitamento para quem se atrever a ler)

do meu livro "O caminho"

gdec

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