quinta-feira, abril 26, 2007

Sistema psicossocial de chamar o nosso criado




Ó meu irmão da cor da noite
ó meu irmão vencido
escarnecido, envilecido.

Ó meu irmão espezinhado
escravizado,
sofredor
de todas as palavras de humilhação
que terminam em ado e em ido
e em ão,
sem esquecer o palavrão.
Ó comedor de bananas
e peixe seco
e carne seca e salgada
e farinha
e o tanas,
que em calão quer dizer nada.

Ó do pé leve,
ó corpo de danças
que são a longa preparação
para o acto breve,
em que se fazem crianças.

Ó filósofo da vida simples
e da fingida resignação,
preto da cidade,
irmão traidor do teu irmão.

Ó bebedor de cerveja
e cabanga,
enganador da fome.

Ó mandrião,
apreciador honesto
do valor do trabalho
- que não é nenhum –
mata-borrão do sol.

Ó nu de tanga
com gravata de cores.

Ó de óculos escuros
sobre olhos
inexpressivos como furos.

Ó olhos expressivos de ignorância
e de credulidade e dor.

Ó matador de branco
lá no teu coração,
vingador como Jeová
mas que teme o trovão.

Ó número inconsciente
de dezena
de centena
de mil
de milhão.

Ó imbecil,
ó moleque,
vem cá ao teu patrão.


Geraldes de Carvalho

Do livro "Novos e velhos cantos"

1 comentário:

Okawa Ryuko disse...

Ha! Fantástico!Politicamente incorrecto, irreverente, imprevisível - nada a ver com os versos choradinhos que se costuma ver sobre o assunto e mto mais sentido do que eles!